terça-feira, 12 de outubro de 2010

HOMENS E DEUSES, por Gina Louise

(Des hommes et des dieux, Xavier Beauvois - França) - A leitura da sinopse pode dar a impressão de se tratar de um filme entediante: a história, inspirada em fatos reais, de oito monges franceses que vivem sua rotina num mosteiro da Argélia, ajudando a comunidade local, majoritariamente muçulmana, até a paz ser ameaçada por ataques de fundamentalistas islâmicos. Beauvois cria, no entanto, uma aura de tal forma envolvente que seduz o espectador tanto pela contemplação do cotidiano no mosteiro, em que os cânticos religiosos entoados por vozes "divinas" transmitem beleza e serenidade, como pela abordagem honesta de um dos temas mais polêmicos da atualidade: o "terrorismo" - separando com sabedoria o joio do trigo. O filme recebeu, merecidamente, o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes.

Um elenco impecável, encabeçado por Lambert Wilson, confere a cada um dos monges dimensão humana. Dúvida, medo, doação, generosidade e fé entram em conflito numa situação limite, quando a própria vida está em jogo –ali não há heróis nem deuses, mas homens. Comovente a cena em que os monges decidem se vão abandonar o seu "rebanho" muçulmano, para o qual representam os "galhos firmes da árvore em que estão pousados", ou permanecer entre eles, sabendo que podem ser mortos. Também memorável aquela em que se encontram frente a frente os líderes do mosteiro e de uma facção islâmica, estabelecendo-se um diálogo pautado pelo respeito mútuo, apesar do antagonismo de crenças e atos.

Se motivos religiosos são capazes de fazer o homem praticar o mal com empenho e felicidade jamais vistos, como disse Pascal, o poder político e econômico também faz estragos muitas vezes irreparáveis. Xavier Beauvois não exime a França de sua parcela de culpa pelos conflitos de cunho "aparentemente" apenas religioso em curso em ex-colônias africanas. No filme, o governo argelino atribui à colonização, que os manteve atrasados, as causas mais profundas para a formação e crescimento dos grupos radicais. Contrapondo-se às motivações de domínio, ganância e prepotência, a postura dos monges, solidária e autêntica, de entrega total à fé e a serviço do próximo, ecoa como um alento de esperança na humanidade. Uma humanidade que se reencontra com sua face divina.


VIÚVAS SEMPRE ÀS QUINTAS, por Gina Louise

Viúvas sempre às quintas (Marcelo Piñeyro-Argentina) - O cinema argentino nos presenteou nesse festival com mais uma grande obra. Marcelo Piñeyro, diretor de Plata Quemada, El Metodo (O que você faria?), Cinzas do Paraíso entre outros bons filmes, foca o seu olhar perturbador – que, guardadas as devidas proporções, em alguns momentos faz lembrar Michael Haneke – na vida entremuros de um condomínio de elite de Buenos Aires. Num rápido percurso a câmera revela o lado de fora do condomínio: uma vizinhança pobre alijada do conforto e luxo que os personagens desfrutam. Mas, nem tudo é perfeito. As cercas não impedem que a crise econômica invada a vida dos protagonistas e, maior ainda que ela, a crise de valores. Aos poucos a harmonia e o branco do vestuário, na cena inicial de uma sofisticada festa de aniversário, vão se tingindo de cinza e sangue. Um roteiro muito bem costurado conduz o espectador passo a passo pelos cantos escondidos do universo material e psicológico de uma burguesia perdida em suas próprias opções de vida.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

ALICE BURTON, por Luciana Bastos Figueiredo



Escrever um post sobre a Alice do Tim Burton pode até ser óbvio nesses dias, mas será que é óbvio dizer que e odiei o filme?

Pois é, foi isso que aconteceu. Meu marido e eu fomos ver o filme na própria sexta da estreia, naquelas sessões de meia-noite. Ele estava animadíssimo desde que vimo o primeiro trailler. Eu observava, atenta, o movimento do mercado editorial e o crescimento da febre em torno do filme. Estava curiosa.

Eu gosto do Tim Burton, relevo o fato de ele colocar a mulher em todos os seus filmes - até porque ela é muito boa -, mas ele levou minha Alice embora! Somente sentada na poltrona, com a sala escura e os óculos 3D devidamente posicionados é que me dei conta do tamanho da minha expectativa em torno do filme. E como eu me decepcionei. Passagens chatas, lentas, personagens desvirtuados de suas essências... Nossa! O pior foi Alice ter ganhado uma função, um propósito explícito, uma missão no País das Maravilhas.

Alice não tem missão, tem um caminho cheio de surpresas. Um caminho ao mesmo tempo angustiante e viciante para o leitor. O livro tem ação, movimento. Mas sua aventura é mais com palavras que com atitudes. Buton transformou tudo isso em um thriller.

Tudo bem, tudo bem. Eu sei que é uma leitura. Que assim como eu tenho a minha Alice, o Burton tem a dele. Adaptações nunca são fiéis. Coisa e tal. Essa parte eu entendi, mas também acho legítimo eu querer a minha Alice de volta!

E, ora, eu consegui. A irritação foi tant que, no dia seguinte, eu já tinha caído no buraco do Coelho com ela de novo. E isso é Maravilhoso para mim.

sexta-feira, 26 de março de 2010

A FERA INTERIOR , por Amanda Orlando



Mês passado, entrou em cartaz em salas de exibição de todo o país O lobisomem, de Joe Johnston, mais conhecido pela direção dos blockbusters juvenis Jumanji! e Querida, encolhi as crianças, e com as atuações de Anthony Hopkins e Benicio del Toro no papel principal. O filme é um remake do clássico de horror da Hammer Filmes The Wolf Man, de 1941, estrelado por Lon Chaney, que junto com Bela Lugosi e Boris Karloff imortalizou algumas das figuras mais míticas do cinema de terror.

O roteiro desta nova versão de O lobisomem demorou dois anos para receber o aval da Paramount, que exigiu uma série de alterações e refilmagens ao longo da produção. A grande estrela da película, porém, passa ao largo de seu roteiro, que é de fato simplório e previsível, apesar de ser assinado pelo genial Andrew Kevin Walker, de Seven, os sete crimes capitais. As interpretações de uma apagado, ainda que respeitável, Anthony Hopkins e de Benicio del Toro, sedutor, embora não muito convincente, também estão longe de serem um chamariz para o filme.

O que torna O lobisomem uma obra notável, de um esmero tão profundo que é capaz de comover qualquer fã não apenas de horror, mas, principalmente, da boa literatura vitoriana, é sua ambientação. Todos os elementos caros à época de ouro da narrativa gótica estão lá: a mansão sombria, isolada e cercada por mistérios imemoriais, o cavaleiro inglês sedutor, reservado, do qual apenas seus inseparáveis cães de caça parecem conhecer os segredos, a donzela virgem, mas destemida, ciganos que lançam maldições e prevêem catástrofes, os manicômios e suas máquinas de tortura em nome da ciência, catacumbas sombrias, a sensualidade insinuada e o pavor sutil que vai crescendo no espectador sempre que a noite cai sobre a tela, revelando sombras e fantasmas que se materializam muito mais como reflexos de nossos próprios medos do que meros estratagemas para causar calafrios em uma platéia já acostumada com agruras muito mais pavorosas do que as retratadas pela ficção.

Em uma época em que todos os filmes de terror se baseiam especialmente em computação gráfica e efeitos especiais, é notável ver como uma boa obra do gênero ainda pode ser realizada dando-se mais ênfase ao clima e a ambietanção do que ao monstro propriamente dito. Claro, os efeitos utilizados durante a transformação do ressentido Lorde Lawrence Talbot em lobo são impressionantes, embora não se mostrem como nenhuma surpresa para um público que já assistiu a Avatar e Trezentos, só para citar exemplos recentes. Nada que represente um desafio para as afiadas equipes de efeitos visuais a disposição da indústria cinematográfica americana. Neste caso, todos os louros devem ser merecedidamente oferecidos aos times de pesquisa, figurino e cenografia. Raras vezes uma obra de terror vitoriano foi tão condizente com o período. Tanto que, para mim, fã assumida de tudo que possa se considerar até mesmo vagamente gótico, foi uma tristeza ver o palacete campestre onde se passa a maior parte da trama ser destruído durante o filme. Confesso que lutei contra algumas lágrimas teimosas diante da cena.

O lobisomem é a prova que um filme de realização problemática pode servir extremamente bem não apenas ao seu público como também à literatura. Depois de assisti-lo, torna-se muito mais fácil vislumbrar certos meandros da rígida, preconceituosa e discrepante sociedade vitoriana e entender porque só eles, meus vitorianos tão góticos, tão estramos e tão queridos, poderiam ter criado a maioria dos conceitos de terror, medo e morte que carregamos conosco até os dias de hoje.

quarta-feira, 24 de março de 2010

PARA VER E RELER, por Maria Alice Paes Barretto



Na época de seu lançamento, em 1990, O céu que nos protege, filme de Bernardo Bertolucci baseado no magnífico livro de Paul Bowles, foi duramente criticado. Primeiro porque os diálogos que eram ditos em árabe - a trama se passa na África do Norte - não foram traduzidos. Segundo, o ritmo lento de certas cenas deixava alguns espectadores impacientes, certamente os mais chegados aos filmes de ação. Como todo filme denso, que deve ser visto e revisto, uma duas, três vezes, para se sentir na carne o mesmo estranhamento que as personagens estão vivendo na tela - ou no texto - se não compreendermos seus mecanismos intrínsecos só poderemos, mesmo, chegar a conclusões precipitadas e ... não gostar.

Porque o livro é maravilhoso, o filme é lindo e o clima criado por Bertolucci é perfeito para se sentir todo o vazio, toda a intensidade da busca por si mesmo e pelo outro que se passa na mente e na alma dos protagonistas, toda a difícil, sofrida e árida viagem interior que eles realizam à procura do que, no final, queremos da vida - o amor, a plenitude. Tanto como o livro, o filme consegue mostrar essa incrível busca pelo percurso a ser desvendado para se chegar ao conhecimento interior, tenta entender que tipo de relacionamentos se criam e se desfazem. E é por isso mesmo que acho que ambos - livro e filme - se tornam tão atuais ao falarem das dificuldades da vida de qualquer um de nós.

A história gira em torno de um casal americano que viaja ao Marrocos sem data para voltar, e como eles próprios afirmam, "como viajantes, não turistas". Os dois vão acompanhados de um amigo, e esperam que a novidade de um país africano e as novas experiências que acreditam que vão encontrar pela frente consigam revigorar um relacionamento de dez anos de um casamento totalmente desgastado.

O filme mostra a louca esperança dessas pessoas para conseguir recosturar e recompor esse relacionamento complicado, marcado por incompreensões, incomunicabilidades, pela falta de diálogos e pela impossibilidade da tradução de diálogos quando cada um fala a sua própria língua, quando cada um se fecha em seu próprio ego. A sensação que nos passam os personagens é a mesma do espectador diante da não tradução do árabe - ninguém se entende.

O céu que nos protege não é um livro simples, nem mesmo o filme. Tudo nele é intenso. Para melhor entendê-lo é preciso vê-lo mais de uma vez, pois Bertolucci imprime o ritmo lento à trama para que, no fundo, tenha tudo a ver não só com o momento por que passam os personagens quanto pelo clima árido do Saara. Aliás, o filme apresenta uma fotografia belíssima, que capta de forma muito bonita as belezas naturais do deserto. Eu adoro - o filme e o livro. Por isso, apesar de terem sido lançados há tanto tempo, acho que valem a pena.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

CORONEL HANS LANDA & AUGUSTE DUPIN, por Eugenia Ribas-Vieira

Ao saír da sessão de Bastardos e Inglórios, novo filme do Tarantino, fixa-se, sem dar trégua, a figura do Coronel Hans Landa, o Caçador de Judeus. Mas não só a atuação de Christoph Waltz é a responsável por tal fascínio espontâneo. É sua inteligência, sem dúvida, uma das causas; digo mais, seu método.
Desde a primeira cena do filme, em que Landa calmamente percebe a família judaica debaixo do assoalho, fica a máxima: pensar como o opositor. Muitos dos agentes falham porque nem avaliam o intelecto que se lhes opõe. Este foi o gatilho disparado em direção ao monsieur Auguste Dupin, de Edgar Alan Poe.
Em A carta roubada , Poe desmembra o raciocínio do detetive, e consegue analisar sua intuição por um filtro de cálculos cartesianos. Dupin apresenta a habilidade de fazer do que é próprio do humano, um esquema matemático. Com isso, não existem erros de cálculos – deu-lhe por achar a carta, é claro, simplesmente atirada sobre o porta-cartões.
Da mesma forma, o Hans Landa de Tarantino sabe, desde o momento que entra na casa da primeira cena, que a família vizinha não teria a habilidade para fugir para a Espanha. Era muito mais simples; a capacidade humana é muito mais simples: estariam escondidos onde mais se esperaria. Hans Landa explica ao francês, como o faz a todos que encontra, que apenas pensa como um judeu, que em situação de desepero foge de qualquer maneira, e por isso, sempre consegue encontrá-lo. Lembro agora que o mesmo faz o instrutor do FBI para descobrir o que faria Hannibal Lecter, em Silêncio dos Inocentes.
Pensar como o opositor – a identificação do intelecto do raciocinador com o do seu oponente, escreve Poe.
O que me surpreendeu no detetive de Tarantino, no entanto, é que Hans Landa não tem uma ética a seguir. Esta crítica pode ser considerada maniqueísta – e de forma alguma gostaria de ver este desenho levado ou ao bem ou ao mal. Minha frustração – agora explico – foi ver uma personalidade tão afiada e perspicaz, sem um objetivo maior. Hans Landa mostra-se, quando lhe é oportuno, não atrelado à SS (a milícia nazista). Sua perspicácia também é usada para o próprio benefício.
O que de início era uma crítica, no entanto, agora quer ser algo mais espetacular. Minha conclusão é de que Hans Landa de Tarantino é o primeiro detetive que ultrapassa o Dupin de Poe (claro que Poe tem seus méritos pelo pioneirismo). Hans Landa consegue surpreender o próprio espectador. Se fossemos reescrever A carta roubada à moda de Tarantino, Dupin, ao final, não devolveria o verdadeiro documento ao monsieur G., comissário de polícia. Ele forjaria uma carta, usaria de sua credibilidade para que fosse confiável, e ficaria com os méritos do herói, devolvendo ele próprio a carta à polícia. Dupin, com esta ação, deixaria inclusive o leitor com cara de bobo, assim como eu, ao sair da sessão de Tarantino.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

INVASORES DE CORPOS, por Vivian Wyler




 

Li o livro de Jack Finney, "Invasores de corpos", por acaso. Eu o encontrei na estante da casa da minha sogra, junto à Bíblia, a uma coleção de obras do Stefan Zweig e à biografia de São Francisco escrita por Nikos Kazantzakis, num modorrento verão, há muitos anos. Era um livro estranho num lugar inadequado e por isso, só por isso, comecei a lê-lo.Ficção científica, exceto por Ray Bradbury, não é o gênero com o qual me identifico habitualmente. O suspense inteligente de Finney, no entanto, me prendeu. Uma ficção a um passo do terror psicológico, onde seres vegetais de outras galáxias fabricam, a partir de vagens, clones humanos que têm tudo, exceto o essencial ao humano: o espírito. 

Porque gostei do livro, vi o filme de Don Siegel, de 1956, "Vampiros de almas". Um thriller excelente, em que a descoberta das vagens-casulos é o mais baixo dos pontos altos. Não vi a versão de Philip Kaufman, de 1978, com Donald Sutherland, que todos reputam muito boa. Tampouco vi o abacaxi chamado "A invasão", perpetrado em 2007 por Oliver Hirschbiegel e estrelado por Daniel Craig e Nicole Kidman.Mas vi a impactante versão de 1993, assinada pelo cult Abel Ferrara, e ambientada numa base militar..
O livro de Finney é perturbador e a ideia de seres em tudo iguais a suas matrizes, não fosse a incapacidade de expressar sentimentos, é tão bem colocada que permite reinterpretações e modernizações diversas, sem perda de substância da obra original.
Tudo isso me ocorre enquanto preparo mais blogs  que serão, em breve, conectados à nave-mãe Curabula Livroclube.
Tal como uma invasora de corpo eu preparo o blog todinho, cores e formas, diretrizes, e fico esperando, quietinha, o material que dará vida a mais esse blog, feito para tornar a matriz Curabula ainda mais rica e variada. Fico esperando o momento de soprar a essência no que é apenas vagem-casulo. Quando finalmente o blog está pronto para ir ao ar, deixo o leitor olhar nos olhos dele e ver o resultado. Como no livro e nos filmes, se o olhar vibrr de emoção, o: blog é verdadeiro, se parecer assustadoramente vazio, é um clone sem alma.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A LINGUAGEM LITERÁRIA NO CINEMA, Karin Pey


Chegou-me às mãos a edição mais recente da Revista Teorema, de agosto de 2009. Especializada na crítica e análise de filmes, a edição de numero 14 apresenta alguns textos significativos sobre a transposição da linguagem literária para o cinema.

Enéas de Souza comemora os 50 anos do filme “Hiroshima, Mon Amour” de Alain Resnais, lembrando que a importância dada à palavra, no roteiro literário da escritora Marguerite Duras, “assegura uma dimensão absolutamente lírica à imagem poética e cinematográfica” do filme. Ao não impor um roteiro mais apropriado para a tela, Resnais promove um forte encontro do cinema com a literatura, e conjuga a palavra com os movimentos das câmeras, neste seu primeiro longa metragem datado de 1959. Marcus Mello, por sua vez, aponta a habilidade do diretor Christophe Honoré ao adaptar a trama do romance “A Princesa de Clèves”, publicado no século XVII, que se materializou no filme “A Bela Junie”. Mas vai além, e narra o endosso dado pelo filme a indignação popular, sobre a opinião do atual presidente francês com relação à obra literária de Madame de Lafayette. Segundo Mello, o filme acabou assumindo um sentido de protesto político, após a afirmação de Nicolas Sarkozy de que o livro era uma obra inútil e ultrapassada. O fato gerou um movimento de defesa a esta obra literária, cujas vendas dispararam no país. No texto crítico sobre o filme “Budapeste”, Felipe Iszlay revela sua certeza sobre a impossibilidade de se adaptar a obra de Chico Buarque para o cinema. No livro, “a linguagem verbal não está a serviço de contar uma história qualquer, mas de contar uma história em que a língua é a personagem principal”. O autor reordena o espaço do romance por meio de jogos de linguagem, trabalhando com a substancialidade das palavras. De acordo com Iszlay, o filme de Walter Carvalho faz uma caricatura mal feita da obsessão do protagonista com a palavra e o universo da língua, produzindo um esvaziamento da narrativa que obrigou a equipe de filmagem a completar as lacunas, com adendos não encontrados no livro. Ao concluir sua análise, diz que houve falta de domínio sobre a linguagem da obra, o que não trouxe vida alguma ao filme. Luiz Bernardo Pericás, por sua vez, deixa claro que o roteirista Peter Buchman não foi feliz ao também se inspirar no livro “Passagens da Guerra Revolucionária-Congo”, de autoria de Che Guevara. Sob a forma de crônicas, a obra narra episódios e reflexões sobre a guerrilha e a luta na África que, de acordo com Pericás, agradam ao leitor. No entanto, o filme bipartido de Steven Soderbergh, “El Argentino” e “El Guerrillero” se apresenta quase como uma colcha de retalhos onde, entre outras falhas, há a omissão de episódios polêmicos e a supressão de personagens importantes, o que não condiz com o espírito revolucionário expresso pela palavra de Guevara no livro.

Os críticos acima, nos fazem refletir sobre a importância de se transmitir o real sentido da palavra e da linguagem escritas, enquanto testemunhas e formadoras de emoção, informação, e vida. Cabe, porém, ao leitor-espectador dar o seu próprio aval. Mas, a partir das análises publicadas pela revista, conclui-se que Resnais embasou seu filme com a vida contida na essência da palavra literária de Duras, evitando a transposição para o cinema de uma linguagem órfã de sentido e lirismo. Quanto à “Budapeste”, de Walter Carvalho, este se mostrou incapaz de revelar a natureza da personagem central, ou seja, a palavra na língua e na linguagem. Deste modo, impediu o espectador de refletir sobre as diferentes plásticas adotadas pela linguagem, reveladas pelo livro. O filme de Soderbergh é apenas em parte inspirado na escritura de Che Guevara. Ainda assim, havendo a intenção de transportar seu testemunho para o cinema, é preciso cuidado para não se negligenciar fatos expressos pelo próprio criador de relevantes eventos históricos. Embotar a compreensão da história, impossibilita a reflexão do espectador sobre um conteúdo político-social, que só recentemente tem sido exposto. A hábil adaptação de Christophe Honoré, do livro de Madame de Lafayette, permitiu aos franceses de retomar, para si mesmos, a propriedade sobre a palavra, tanto a literária e cinematográfica como a política. Se o roteiro de Soderbergh decapitou palavras que descrevem eventos e personagens históricos, o filme de Honoré uniu-se a reação popular contra o risco de se limar a importância de uma obra inteira. A população francesa, ao esbravejar em protesto, sobre um livro que não considera ser inútil e ultrapassado, impediu a ruptura do fio condutor das reflexões e das vivências expressas pela palavra, e pela linguagem de um estilo literário renovador, trazidas do século XVII até o século XXI.